Crítica – “Saramandaia”, ‘saramandiou’!




Seguindo o esquema de remakes anuais na faixa das 23h, a TV Globo estreou na noite do dia 24 de Junho deste ano, a nova versão da novela “Saramandaia”, grande sucesso de Dias Gomes em 1976.

Assinada por Ricardo Linhares, com colaboração de Ana Maria Moretzsohn, Nelson Nadotti e João Brandão, a trama contou com a direção de núcleo de Denise Saraceni, e as direções de Fabrício Mamberti e Calvito Leal.

A abertura do folhetim, sem dúvida, foi uma das mais bonitas e bem criadas pela emissora carioca, assim como a da novela “Flor do Caribe” (2013). O uso de animações e da computação gráfica em cima de pinturas em aquarelas foi uma boa e bela sacada. Importante destacar o uso de traços e características dos personagens para compor a arte.
  
O tema de abertura, no entanto, não “caiu como uma luva” para o trabalho primoroso criado. Faltou empolgação! Aliás, conforme o “Olhar na TV” também já mencionou em outras críticas de novelas, ultimamente, o canal tem deixado a desejar nas escolhas musicais para as suas aberturas e trilhas. O sucesso da primeira versão, "Pavão Mysterioso", pouco foi executado.

Ao longo do folhetim, chamou atenção à sequência de stock-shots (imagens sem a presença de elenco) das paisagens percorridas em meio a uma edição ágil para se chegar à fictícia cidade de Bole-Bole/Saramandaia.
  
A edição mostrada ao longo dos capítulos revelou-se muito bem trabalhada em cortes rápidos, mas que não comprometeram as cenas e suas sequências, e assim, evitou a sensação de uma trama arrastada e não comprometeu a narrativa do folhetim. 

A iluminação usada na novela das 11, bem como a boa captação das imagens pelas câmeras de ultradefinição e 3D, também foi bem aplicada. Muito bom o jogo de câmeras, em especial as de imagens aéreas e as de planos fechados, que se destacaram em meio a precisa fotografia. A luz tanto em externas, quanto em estúdio, foram pontualmente acertadas em todas as cenas, e sempre com o brilho necessário.
  
O uso e abuso de cores, para “Saramandaia”, é aceitável! Uma trama surrealista, com personagens folclóricos, explica a necessidade cores berrantes para, em conjunto, tentarem prender a atenção do telespectador.

Os efeitos especiais, associados aos recursos de computação gráfica, foram, sem dúvida, o ponto alto da produção surrealista. Mostrou-se válido o investimento do canal em trazer a equipe que trabalhou para os filmes de “Harry Potter” para cuidar dos efeitos, como a emblemática explosão de ‘Dona Redonda’, o voo de ‘João Gibão’ e a transformação de ‘Aristóbulo’ em lobisomem.

Já a maquiagem, bem aplicada, se tornou um ótimo aliado à composição dos personagens e suas características. Não à toa, como exemplo, a equipe responsável pela maquiagem de Meryl Streep, no filme "A Dama de Ferro", ter sido a responsável por desenvolver o trabalho de 'Dona Redonda' e ‘Bitela’.
  
O figurino usado pelos personagens, de uma maneira geral, não trouxe nada fora do modismo atual, e nem mesmo ultrapassou os limites do aceitável. Algo dentro do comum. Porém, exceção se faça à ‘Dona Redonda’/’Bitela’, que traz roupas chamativas e condizentes ao perfil caricato que a personagem exigiu.

Quando à cenografia, a produção foi muito bem elaborada, onde se criou uma cidade distante de tudo e todos, com elementos de uma cidade pacata, mas cheia de surpresas e surrealismo fantástico. As casas e a praça principal do local foram bem utilizadas pelos personagens, que transitaram e se utilizaram de todos os itens disponíveis para enriquecer a cena.
 
A temática usada na “Saramandaia” de 1976, e reproduzida na nova versão, em certos momentos, calhou com a atual realidade que o Brasil vem passando. Entraves políticos, manifestações e reivindicações da população que clama por justiça e o fim da corrupção, a busca por igualdade e liberdade. Sensacional uma novela antiga servir como mostrador da atual situação que o país vive e, ao mesmo tempo, a tristeza de que daquela época para hoje, pouco, ou nada mudou!

A trama, em seu primeiro capítulo, teve um grande ponto positivo ao explicar ao público, o significado do título da novela. “Cada pessoa pode ser uma coisa diferente”, explicou ‘João Gibão’, que completou: “Um começo de um novo tempo!”.

Na adaptação do texto, Linhares soube mostrar uma linguagem usada pelos personagens através do choque do “ontem” com o “hoje”, do “jovem” e com o “mais antigo”, aplicado ao uso da tecnologia, o que na primeira versão do folhetim não existiu. Ainda sobre linguagem, o abuso de neologismos fez com determinadas palavras e expressões caíssem na boca dos telespectadores, como "Delicienta", "Intriguismo", "Desexplode", "Desengorda", etc.

Quanto ao elenco, destacaram-se Déborah Bloch (‘Risoleta’), Gabriel Braga Nunes (‘Aristóbulo’), Leandra Leal (‘Zélia’), Matheus Nachtergaele (‘Encolheu’), Marcos Palmeira (‘Cazuza’), Renata Sorrah (‘Leocádia’), Ana Beatriz Nogueira (‘Maria Aparadeira’), Marcos Pasquim (‘Carlito’), Ilva Niño (‘Cleide’), André Frateschi (‘Dr. Rochinha’), Fernando Belo (‘Lua Viana’), Ângela Figueiredo (‘Helena Rosado’), Lívia de Bueno (‘Laura Rosado’), Laura Neiva (‘Stela Rosado’), Pedro Tergolina (‘Tiago’), André Abujamra (‘Maestro Cursino’).

As brilhantes atuações de Fernanda Montenegro (‘Candinha Rosado’), Tarcísio Meira (‘Tibério Vilar’), Vera Holtz (‘Dona Redonda’), Sérgio Guizé (‘João Gibão’) e Chadelly Braz (‘Marcina’) foram os pontos cruciais para as boas cenas de drama e comédias aos quais seus personagens se envolviam.

Já Lília Cabral (‘Vitória’), José Mayer (‘Zico’), Aracy Balabanian (‘Dona Pupu’) e Luiz Henrique Nogueira (‘Belisário’) não foram bem aproveitados na trama. Não pelas atuações dos atores, que são feras da TV e do teatro, mas pelo fato de seus personagens terem caído na pieguice, e meio que os ridicularizou. No caso de Lília e Mayer, após inúmeros pares românticos, desta vez, simplesmente o casal não funcionou; não rolou química!

No campo dos “que cumpriram o seu papel” estão Zéu Britto (‘Maestro Totó’), Georgiana Góes (‘Fifi’), Theodoro Cochrane (‘Delegado Petronílio’), Thaís Melchior (‘Bia’), André Bankoff (‘Pedro’), Maurício Tizumba (‘Padre Romeu’), Val Perre (‘Firmino’), Dja Martins (‘Das Dores’), Carolina Bezerra (‘Dora’) e Camila Lucciola (‘Rosalice’).

Ao longo dos seus 56 capítulos, ou melhor, dos seus 3 meses de exibição, após uma estreia com 27 pontos de audiência, e pico de 31, “Saramandaia” marcou média geral de apenas 15 pontos no IBOPE (dados da Grande São Paulo). Ainda sobre a audiência, a aguardada explosão da personagem ‘Dona Redonda’ marcou apenas 18 pontos no capítulo. Por tanto, longe de ser um sucesso ao ficar atrás de “O Astro” (2011) e “Gabriela” (2012) que, respectivamente, marcaram 19 e 18 pontos.

Por fim, “Saramandaia” não vingou como deveria pelo fato da sua grande instabilidade de horário. Prevista para entrar às 23h, em alguns dias, não raramente, por exemplo, o folhetim entrava no ‘Ar’ pouco mais da meia noite. Soma-se a isso, o fato do tamanho surrealismo já não chamar mais a atenção e causar o mesmo impacto como assim aconteceu na primeira versão; mesmo com todo o aparato tecnológico usado nos efeitos especiais.


por Fa Marianno (@Famarianno).

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